»LIMONOW«


von
Emmanuel Carrère



Die unautorisierte Webseite zum Buch.
Von den Machern von Limonow.de

zurück

Limonov. Quando o diabo revoltado é um herói dos nossos tempos

Nuno Ramos de Almeida

O herói da biografia de Emmanuel Carrère é um homem de excessos. Nuno Ramos de Almeida leu a vida de um escritor genial que foi marginal, dissidente e que fundou um partido extremista.

Numa passagem de um romance clássico da literatura soviética de que Limonov não gosta, «Margarida e o Mestre», de Bulgakov, o Diabo, um gato gordo e um seu criado vão passear à União Soviética mostrando que as coisas não são normalmente o que parecem. Esse romance começa com a citação do «Fausto» de Goethe em que se fala «daquelas forças que sempre quiseram o mal e sempre fizeram o bem».

Edouard Savenko, com o nome de guerra de Limonov, é um homem assim. Reza o seu biógrafo: «Limonov não é uma personagem de ficção. Ele existe. Eu conheço-o. Foi marginal na Ucrânia; ídolo do underground soviético na era Brejnev; sem-abrigo e depois criado de quarto de um milionário em Manhattan; escritor de vanguarda em Paris; soldado perdido na guerra dos Balcãs; e hoje, no imenso bordel do pós-comunismo da Rússia, velho chefe carismático de um partido de jovens em fúria. Vê-se a si próprio como um herói, mas podemos considerá-lo um bandido: por mim, deixo o julgamento em suspenso. É uma vida perigosa ambígua: um verdadeiro romance de aventuras. É também uma vida que conta qualquer coisa. Não apenas sobre ele, Limonov, mas sobre a história de todos nós depois do fim da Segunda Guerra Mundial.»

Quem escolhe um biografado escreve também a sua biografia. Emmanuel Carrère não é excepção. Este filho da célebre sovietóloga francesa Hélène Carrère d’Encausse vai contando parte da sua história, ou pelo menos a das suas ideias, no meio da vida do seu anti-herói.

Limonov é um caso em que a ficção empalidece ao lado da realidade. Filho de um medíocre oficial subalterno da polícia política e de uma operária, vive uma infância miserável num país destruído pelo pós-guerra. A marginalidade e uma navalha são para ele uma forma de afirmação. Entra nos círculos intelectuais dissidentes da mesma forma que os outros se afundam em bebedeiras intermináveis, estampadas nas páginas do «Moscovo-sobre-a-Vodka» do escritor Vénecdit Erofeiev. A especificidade do niilismo de Limonov é que ele nunca perde a capacidade de ver sobriamente a merda que o rodeia, e vai para além do cinismo dos burocratas intelectuais que vivem do regime e dos dissidentes que pululam nas ruas, num excesso e numa entrega à vida que o libertam dos muros que o encerram. Uma ânsia de foder e de viver que o fazem transcender tudo. Apaixonado pela jovem e bela amante de um apparatchik, corta os pulsos à porta do apartamento dela para lhe mostrar a sua paixão total.

Faz-se passar por judeu para sair com a amante da União Soviética. Numa altura em que o regime aceitava todas as mentiras para se livrar para sempre de elementos indesejáveis, consegue ir para os Estados Unidos da América. Aí detesta de igual forma o sonho americano e os dissidentes oficiais. Odeia neles o sucesso amestrado. Mistura inveja com acidez e ironia. Os livros que editará no futuro são grandes obras, em que a ficção é a história da sua vida. Uma espécie de Charles Bukowsky russo, mais ácido, telúrico e corrosivo. Desta forma a biografia de Emmanuel Carrère tem uma dimensão explosiva em que a vida do retratado parece correr a golfos de sangue. Cenas duras, ordinárias e simbólicas, como a vez que Limonov enraba a amante enquanto vê uma entrevista televisiva do escritor dissidente e Nobel da Literatura Alexandre Soljenitsin.

A aura de maldade de Limonov está expressa nestes excessos. Um dissidente que se revolta contra o fim da União Soviética e que vai fundar um partido que mistura de uma forma provocatória uma estética nazi com a foice e o martelo. Estranho líder de um partido nacionalista extremista, acusado por muitos jornalistas de racista e homofóbico, que intitula um dos seus primeiros livros autobiográficos «O Poeta Russo Prefere os Grandes Negros», em que descreve uma cena de pugilato com um sem-abrigo negro, quando vivia nas ruas da cidade, em que as agressões acabam numa demorada cena de sexo.

Em Limonov nada é linear. Aparece ao lado de pessoas inapresentáveis: Jirinovsky e Le Pen. Combate nas guerras da Jugoslávia ao lado da milícia assassina do criminoso de guerra sérvio Arkan. Mas defende os homens e mulheres que foram roubados pela nomenklatura reciclada, com o apoio do Ocidente, em mafiosos e oligarcas multimilionários. Levanta-se contra uma sociedade que sai da pobreza para cair numa miséria, dita democrática, muito pior. «Um milhão a tentar enriquecer para duzentos milhões morrerem de fome.» Denuncia os homicídios perpetrados pela política política e pelas forças do novo regime de Ieltsin e Putin, tanto na Chechénia como na Rússia. Paga com isso o preço das agressões e da prisão em campo de trabalho nos restos do Gulag. Passa quatro anos em trabalhos forçados devido à falsa acusação de conspirar para derrubar o governo do Cazaquistão. Durante esse tempo vai ganhando o respeito dos companheiros de infortúnio, com uma atitude modesta mas sem nunca ceder ao sistema.

O seu partido é perseguido, impedido de concorrer às eleições presidenciais russas. Não desiste, junta-se ao ex-campeão mundial de xadrez Gari Kasparov no partido Outra Rússia, que contesta o regime de Putin. O seu jornal, «Limonka» (palavra que também quer dizer granada), é um misto de política com cultura punk. O seu apelo é claro: «És jovem e não gostas de viver neste país de merda? Não te apetece vir a ser um vulgar nacionalista nem um imbecil que só pensa em dinheiro, nem um tchekista? Tens o espírito da revolta? Os teus heróis são Jim Morrisson, Lenine, Mishima, Baader? Pois bem, já és um nasbol [nacional-bolchevique].» Limonov ambiciona fazer uma revolução que acabe com um país de miseráveis e bandidos. Defende o escritor Zakhar Prilipine: «A Rússia alimenta-se da alma dos seus filhos, é isto que a faz viver. Não são os santos, são os malditos que lhe dão vida.» Amigo e camarada de Edouard, o escritor Zakhar reconhece: «É um ser magnífico capaz de actos monstruosos.»

Limonov e os seus jovens revoltados são um grito contra o torpor. São a afirmação de que a vida tem de doer. Parecem saídos do fotograma do filme de David Fincher «Fight Club». A violência com que se revoltam é igual à generosidade que têm. Recusam ser aquilo que vestem, aquilo que a publicidade quer fazer deles. Não aceitam o destino que lhes reservaram. Ambicionam rasgar a golpes de navalha a sua própria linha da sorte.

Neste sentido, a história desta escolha é universal: submetemo-nos e vivemos iludidos com as migalhas que nos dão ou queremos tomar os céus de assalto. Paradoxalmente, tanto os livros de Limonov como Zakhar sobre esta vivência estão na moda, como diz um crítico: agradam a uns pelo seu realismo; a outros pelo seu antiliberalismo militante; aos radicais de esquerda pelos seus heróis revoltados, que odeiam a sociedade de consumo; aos adversários liberais de todas as revoluções porque estes heróis estão condenados, e estes jovens enraivecidos que partem montras e queimam carros não conseguirão nunca fazer uma revolução.» Pelo menos não estão sentados no sofá.


«iOnline», 17.12.2012

Eduard Limonow

Original:

Nuno Ramos de Almeida

Limonov. Quando o diabo revoltado é um herói dos nossos tempos

// «iOnline» (pt),
17.12.2012