»LIMONOW«


von
Emmanuel Carrère



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A importância de ser honesto

Se o asco fosse o supremo impedimento literário, Emmanuel Carrère não teria acabado de escrever o seu romance-biografia-ensaio sobre Eduard Limonov, figura verdadeira cuja vida parece de ficção. Conversa sobre o fascínio por um escritor que só brilha nas sombras.

É simples dizer de Emmanuel Carrère que é hoje um dos mais importantes escritores franceses (também argumentista, realizador e crítico de cinema). No entanto, 55 anos (cumpridos há duas semanas) e 12 livros depois, continua a ser um quase desconhecido em Portugal. Tirando duas obras que a Gótica editou há mais de dez anos, O Adversário (2000) e Pesadelo na Neve (2001), pouco mais há a registar. Apenas tivemos dele um filme, Amor Suspeito, baseado no seu mais célebre romance, La Moustache (2005). E a versão cinematográfica de O Adversário (2002), que adaptou para Nicole Garcia realizar.

Descendente de russos «brancos» exilados em França depois do triunfo da revolução bolchevique, filho de uma mais das maiores especialistas em União Soviética, a historiadora Heléne Carrère d'Encausse, membro da Academia Francesa, Emmanuel Carrère começou por ser crítico de cinema antes de escrever o seu primeiro livro: uma monografia sobre o cineasta alemão Werner Herzog.

Limonov, que ganhou no ano passado em França o importante prémio Renaudot, poderá ser a porta que se reabre para a obra deste escritor capaz de se contar a contar a vida dos outros, seco na prosa e ligeiro na forma como cruza as barreiras dos registos literários. Tudo para conseguir transmitir ao leitor aquilo que mais preza nas histórias que vai desfiando: a honestidade. Foi essa extrema honestidade à hora de escrever que o levou a quase desistir do projecto, a mantê-lo encerrado numa pasta do seu computador, sem lhe tocar, durante um ano. «Houve períodos, enquanto escrevia este livro, em que detestava Limonov e receava, ao contar a sua vida, enganar-me redondamente», admite. As aventuras guerreiras do escritor e político russo (n. 1943) ao lado das tropas sérvias, avançando pela Krajina com os paramilitares de Arkan, o criminoso de guerra que Limonov adorava e de cuja amizade sentia orgulho, foram os principais responsáveis pela grande dúvida. Acabaria por imperar o fascínio por essa personagem maior do que a vida que nem nos seus piores momentos de fanfarronice fascistóide consegue apagar a extrema honestidade com que sempre agiu e escreveu. Eduard Limonov é alguém que nunca esconde as suas sombras — são o seu orgulho.

A certa altura, escreve Carrére, Limonov interrogou-se «se haveria no mundo muitos outros homens para além dele cuja experiência incluísse universos tão variados como o de preso de delito comum num campo de trabalho forçado junto ao Volga e o de escritor na moda, a mover-se num décor de Philippe Starck»: «Não, concluiu ele, retirando daí um orgulho que eu compreendo, e que foi justamente o que me motivou a escrever este livro», explica.

— Ao ler este livro, dá ideia que mantém com Eduard Limonov uma relação amor/ódio, não é assim?

— É mais uma fascinação antiga, que depois se transformou numa viva antipatia, marcada por impulsos de verdadeira estima. Esta mistura bizarra acabou por revelar-se um bom combustível para escrever o livro.

— Admira-o pela sua vida cheia de aventuras e de riscos, ao mesmo tempo que muitas das suas ideias estão nos antípodas daquilo que pensa — e várias vezes o escreve no livro. Imagino que tenha sido difícil escrever sobre uma figura cujo pensamento o repugna. Foi por isso que abandonou o projecto durante um ano?

— Abandonei o projecto quando cheguei às suas parvoíces guerreiras na Sérvia, mas ao fim de um ano li o que tinha escrito e cheguei à conclusão de que valia a pena continuar. Sim, é verdade que nos opomos em muitas coisas, e ele próprio diz que não estamos «do mesmo lado da barricada». O que não me impede de ter por ele mais simpatia do que por muitos cobardes do meu campo — o dos virtuosos democratas, signatários de todas as «boas» petições.

— Que capítulos do livro lhe custou mais a escrever e quais foram os que lhe deram mais prazer?

— O mais difícil: a Sérvia. O mais agradável: a prisão. Se considerarmos a sua vida como um romance, a prisão é o melhor capítulo, aquele que está mais próximo do herói que desde a infância sempre quis ser.

— Limonov é um bom escritor quando escreve sobre a sua experiência e muito mau quando se dedica à ficção. Não será porque a sua capacidade para a ficção se esgotou na criação da sua própria personagem?

— A imaginação não é o seu forte, apenas isso. O que faz dele um melhor cronista da sua vida do que um inventor de ficção. É também uma das razões pelas quais tenho confiança nele: acredito no que escreve; mesmo nas suas piores malfeitorias, é muito honesto.

— Escolhe para epígrafe do livro uma citação do presidente russo, Vladimir Putin: «Aquele que quer restaurar o comunismo não tem cabeça. Aquele que não sente a sua falta não tem coração». É uma espécie de provocação, ou acredita que os dois partilham muitas características?

— Não, não é uma provocação e no livro desenvolvo os traços de carácter que os dois têm em comum [«Tal como Eduard, (Putin) é frio e astuto, sabe que o homem é o lobo do homem, só acredita no direito do mais forte, no relativismo absoluto dos valores, e prefere meter medo a ter medo.»]. A diferença, enorme, entre os dois é que Putin é um homem de poder, algo que Limonov jamais será.

— Será que podemos classificar Limonov apenas como um aventureiro egocêntrico e corajoso?

— E também um escritor de grande talento. O que já é muito.

— Acredita que poderá ter um futuro radioso na Rússia, agora que se dedica à política?

— Francamente, não me parece.

— O que é que ele pensa deste livro?

— Ele recusa-se a tecer comentários sobre o mérito do livro, mas ficou muito satisfeito com o facto de ele existir e, de acordo com as suas próprias palavras, sente uma «alegria perversa» por estar a ser redescoberto pelo Ocidente.

— E a sua mãe, o que pensa ela de Limonov? Falo disso porque no livro se refere a ela e ao facto de as suas opiniões, enquanto especialista na União Soviética, o terem influenciado na sua visão da história contemporânea russa.

— Não pensa grande coisa. Que é um vadio mas, ao mesmo tempo, que é um bom protagonista para o livro do seu filho.

— A sua mãe não gosta muito de Mikhail Gorbatchov, mas admirava Boris Ieltsin e agora admira Vladimir Putin. No livro, explica que não partilha da opinião dela em relação a Gorbatchov. Porquê?

— Penso, como a minha mãe, que Gorbatchov provocou a queda do comunismo sem querer. No entanto, ao contrário dela, acho que isso fez dele uma figura histórica fascinante e, como tal, muito mais simpática.

— O que é que sente em relação a Putin? Admira-o? Gostaria de escrever sobre ele?

— Não, não admiro Putin. Partilho o desejo da maioria dos russos que conheço de que se vá embora para que possa chegar ao poder alguém mais jovem, mais democrata e mais próximo da sociedade civil. Infelizmente, não me parece que isso esteja para acontecer.

— Este livro não é apenas sobre Limonov, também é um retrato dos últimos 20 anos da Rússia e da Europa de Leste.

— É uma coisa que me dá grande prazer fazer: pôr em perspectiva a grande e a pequena história.

— Limonov não é uma biografia, não é um romance, também não é jornalismo, mesmo tendo começado por ser um artigo de revista. Ao mesmo tempo, há nele traços de todos esses géneros e também pinceladas autobiográficas. Não gosta de estabelecer fronteiras quando escreve?

— Nenhumas. Gosto muito das formas impuras. Gosto muito dos livros que se aproximam de coisas que, em princípio, deveriam estar em livros diferentes.

— Uma das coisas mais interessantes em Limonov, e que se pode encontrar nos seus livros anteriores, é que o escritor também é personagem. Porque razão se envolve assim na sua obra?

— Por simples honestidade. Lembro ao leitor que aquilo que está a ler não é uma verdade objectiva, apenas aquilo que vi, percebi, pensei, compreendi, com os meus preconceitos e os meus condicionamentos. A primeira pessoa, neste sentido, é uma forma de humildade.


António Rodrigues | «Público.Ípsilon», 28.12.2012

Emmanuel Carrère

Original:

António Rodrigues

A importância de ser honesto

// «Público.Ípsilon» (pt)
28.12.2012